sexta-feira, maio 27, 2005

quatro árvores

quatro árvores Originally uploaded by arte fernando fiuza.

Manoel de Barros


O Guardador de Águas de "O Guardador de Águas", Ed. Civilização Brasileira. I O aparelho de ser inútil estava jogado no chão, quase coberto de limos - Entram coaxos por ele dentro. Crescem jacintos sobre palavras. (O rio funciona atrás de um jacinto.) Correm águas agradecidas sobre latas... O som do novilúnio sobre as latas será plano. E o cheiro azul do escaravelho, tátil. De pulo em pulo um ente abeira as pedras. Tem um cago de ave no chapéu. Seria um idiota de estrada? Urubus se ajoelham pra ele. Luar tem gula de seus trapos. II Esse é Bernardo. Bernardo da Mata. Apresento. Ele faz encurtamento de águas. Apanha um pouco de rio com as mãos e espreme nos vidros Até que as águas se ajoelhem Do tamanho de uma lagarta nos vidros. No falar com as águas rás o exercitam. Tentou encolher o horizonte No olho de um inseto - e obteve! Prende o silêncio com fivela. Até os caranguejos querem ele para chão. Viu as formigas carreando na estrada 2 pernas de ocaso para dentro de um oco... E deixou. Essas formigas pensavam em seu olho. É homem percorrido de existências. Estão favoráveis a ele os camaleões. Espraiado na tarde - Como a foz de um rio - Bernardo se inventa... Lugarejos cobertos de limo o imitam. Passarinhos aveludam seus cantos quando o vêem. V Eles enverdam jia nas auroras. São viventes de ermo. Sujeitos Que magnificam moscas - e que oram Devante uma procissão de formigas... São vezeiros de brenhas e gravanhas. São donos de nadifúndios. (Nadifúndio é lugar em que nadas Lugar em que osso de ovo E em que latas com vermes emprenhados na boca. Porém. O nada destes nadifúndios não alude ao infinito menor de ninguém. Nem ao Néant de Sartre. E nem mesmo ao que dizem os dicionários: coisa que não existe. O nada destes nadifúndios existe e se escreve com letra minúscula.) Se trata de um trastal. Aqui pardais descascam larvas. Vê-se um relógio com o tempo enferrujado dentro. E uma concha com olho de osso que chora. Aqui, o luar desova... Insetos umedecem couros E sapos batem palmas compridas... Aqui, as palavras se esgarçam de lodo. VIII Idiotas de estradas gostam de urinar em morrinhos de formigas. Apreciam de ver as formigas correndo de um canto para o outro, maluquinhas, sem calças, como crianças. Dizem eles que estão infantilizando as formigas. Pode ser. XX Com 100 anos de escória uma lata aprende a rezar. Com 100 anos de escombros um sapo vira árvore e cresce por cima das pedras até dar leite. Insetos levam mais de 100 anos para uma folha sê-los. Uma pedra de arroio leva mais de 100 anos para ter murmúrios. Em seixal de cor seca estrelas pousam despidas. Mariposas que pousam em osso de porco preferem melhor as cores tortas. Com menos de 3 meses mosquitos completam a sua eternidade. Um ente enfermo de árvore, com menos de 100 anos, perde o contorno das folhas. Aranha com olho de estame no lodo se despedra. Quando chove nos braços da formiga o horizonte diminui. Os cardos que vivem nos pedrouços têm a mesma sintaxe que os escorpiões de areia. A jia, quando chove, tinge de azul o seu coaxo. Lagartos empernam as pedras de preferência no inverno. O vôo do jaburu é mais encorpado do que o vôo das horas. Besouro só entra em amavios se encontra a fêmea dele vagando por escórias... A 15 metros do arco-íris o sol é cheiroso. Caracóis não aplicam saliva em vidros; mas, nos brejos, se embutem até o latejo. Nas brisas vem sempre um silêncio de garças. Mais alto que o escuro é o rumor dos peixes. Uma árvore bem gorjeada, com poucos segundos, passa a fazer parte dos pássaros que a gorjeiam. Quando a rã de cor palha está para ter - ela espicha os olhinhos para Deus. De cada 20 calangos, enlanguescidos por estrelas, 15 perdem o rumo das grotas. Todas estas informações têm uma soberba desimportância científica - como andar de costas.

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