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Originally uploaded by arte fernando fiuza.
DESCULPE LEITOR, ESSA COLUNA NÃO É PARA VOCʶ
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Ilustre ilustrador aqui à direita,¶
Escrevo esta coluna às segundas-feiras e por esse motivo coleciono os jornais de segunda.¶
Estou aqui, tomando a liberdade de usar esse veículo endereçado a muitos para enviar esta carta a você, mas já avisei aos leitores, via título, que não se intrometam em nossa conversa. Então, ninguém está olhando, vamos ficar à vontade. Eu não tenho intimidades com o senhor, apesar de sempre ler seu nome neste quadrado aqui, que me avizinha. O fato é que há alguns dias descobri algo que lhe diz respeito e então me senti na obrigação de avisar a você.¶
Começo: há alguns dias notei uma certa atração feminina por suas ilustrações. Explico: segunda passada estava assentada pensando na vida e a vida pensando em mim, quando percebi que uma formiga — que tenho certeza que se tratava de uma formiga fêmea, pois sou bastante intuitiva — caminhava por esse caderno jornalístico. Ela, trabalhadora como todas as formigas, carregava uma folhinha de árvore, certamente a mando de seu patrão. Mas não era uma folhinha "folhinha", era uma folhinha de árvore linda, especial de multicores que findavam na cor... vermelha. Coisa feminina uma folha de árvore vermelha, tenho certeza. Pois bem, ela perambulou por todo esse caderno, pisou, fina como ela é, na paciência ordenada dos passos de uma formiga. Sua primeira parada, na sessão de cinema, foi rápida, olhou para alguns títulos, e reparei que a mocinha ficou alguns instantes fixada em um que se ditava algo como "Jardineiro Fiel". Pensei: "Estou num momento especial, ai como sou uma artista atenta. Jardineiro e formiga! Combinação perfeita, é claro que é uma formiga consciente de seus passos!". Ela olhou mais algumas coisinhas, pulou amarelinha em algumas estrelinhas de cinema, mas quando leu — sou intuitiva — "King Kong", soltou um berro interno e começou a correr, assustada, perdendo sua folhinha no caminho. Quando percebeu, estava no teatro, ou melhor, na sessão, espero que esteja me compreendendo. Ela então retornou, e eu pude ver (por favor: acredite na minha veia artística capaz de ler sentimentos alheios) o quanto ela esteve, por minutos, desesperada, pensando "e se eu não encontrar minha folhinha! Ai!". Eu, que fui bem-criada, arrastei a tal folhinha para um canto em que ela pudesse ver com facilidade; fiz isso sem que ela percebesse quem havia feito, para que ela não se preocupasse comigo e seguisse sua vida. Chega uma hora que sim! Cada um deve seguir seu caminho. Até as formigas.¶
Enfim, ela pegou o que era dela e seguiu linda, por várias peças de teatro. Pois é... ela teve que passar por to-da a Campanha de Popularização do Teatro. E da dança. Estou ressaltando esse fato só para fazê-lo entender que seu objetivo, digo, o lugar onde ela queria chegar era, para ela mesma, no mínimo muito importante. A garotinha passou ainda pé ante pé, paciente, pela programação de TV, pegou um resfriado, mas estava destemida. Parou na numerologia, mais precisamente no número sete, perdeu-se nas cruzadas — mas tudo bem, isso é histórico — e, quase por fim, leu seu horóscopo. Como eu havia sonhado com alguns pinguins e portanto estava muito sensível nesse dia, percebi: ela era de Escorpião. "Dia propício. Disposição física e mental favorecidas. O contato com pessoas conhecidas, vizinhos e pessoas amigas trará compensadora vantagem, sobretudo no amor". Era uma formiga-escorpião.¶
Isso tudo, toda essa jornada, para dizer que a formiga, mulher que era, eu sei, chegou por fim em seu destino: a ilustração do senhor. Chegou, tirou das — digamos — costas, a folhinha, deu algo que na vida humana se assemelha a uma beijo e a depositou em seus traços. E, por fim, estou sem graça de dizer e parecer louca, mas eu não aguento, direi! Direi! A formiga escreveu depositando uma coleção de microssalivas dela mesma, por cima da ilustre ilustração que fizera, a seguinte frase: "Sonho todos os dias com seus traços. Imagino-os despregar dessas páginas e contornar meu corpo, humilde, mas intenso. Reconheço nas suas cores minha vontade mais feroz, pois sou um animal".¶
Penso ainda, caríssimo ilustrador, agora eu, que se ela tivesse lido Strindberg, escreveria também, em humildes gotas de saliva intensa: "Sobre a base frágil da realidade, a imaginação tece novas formas".¶
Atenciosamente,¶
Esta colunista.¶
Grace
jornal o tempo